sexta-feira, 14 de maio de 2010

“Não vejo ninguém perto de realizar um trabalho como o feito por Mazzaropi”



“Falar sobre a sexualidade, se ele era pão-duro, só pensava em dinheiro, nunca foi minha intenção na publicação do livro”

A autora de Sai da Frente: A vida e obra de Mazzaropi, Marcela Matos, que também é Professora na Universidade Nove de Julho, no curso de Jornalismo, revela em uma entrevista descontraída curiosidades á respeito do livro lançando em abril, pela Editora Desiderata. “Certo dia combinei sapato amarelo com meias listrada, antes de sair de casa perguntei á minha filha, estou muito Jeca Tatu? Sai assim mesmo...”


Como surgiu o interesse pela vida e obra de Amacio Mazzaropi?


Marcela Matos - Eu acompanho há praticamente 10 anos a criação do Hotel Fazenda Mazzaropi, em Taubaté. Todo o resgate da história acabou surgindo: doações de fotos e documentos, tudo isto havia se perdido com a morte dele em 81, já que não havia herdeiros e pela briga que houve pelo espólio. Passei então a conhecê-lo mais e, assim, surgiu a idéia de fazer uma biografia.

Qual a parte mais difícil no desenvolvimento do livro?

Marcela - Muitas pessoas entraram em contato com o Hotel Fazenda e doaram roupas, filmes, fotos, entre outros. Mas, no entanto, tive grande dificuldade em reunir informações da infância do Mazzaropi, pois havia pouquíssimas informações. Li tudo o que achei, assisti dezenas de filmes, horas de entrevistas, sempre tomando notas e colhendo informações. Organizar tudo isto foi o mais complicado. Três anos de pesquisas mais intensas resultaram na criação do livro.

O que caracteriza o personagem do seu livro?

Marcela - Mazzaropi era uma pessoa muito determinada, desde criança ele já queria ser ator, a contragosto do pai, que o fez trabalhar em uma loja de tecidos com o avô no sul, mas mudou isto, e até mesmo sua mãe chegou atuar em um dos seus filmes. Esta determinação se repetiu ao longo de sua vida: construiu uma indústria de cinema, sem depender de financiamentos, e produziu em média um filme por ano, dentre as décadas de 50 a 80.

Qual a semelhança entre Mazzaroppi e o Jeca?

Marcela - Muito da história de vida do criador se parece com o personagem, assim como o Jeca, Mazzaropi nascido na capital paulista, viveu em Taubaté e mais tarde voltou para estudar. O que caracteriza a vinda do “caipira” para a cidade grande, sujeito ingênuo e bobo que também é matuto, crítico em certos comentários. Anos mais tarde disse que a inspiração para o jeca se baseava no personagem criado por Monteiro Lobato.

Como explicar um personagem que fazia tanto sucesso de público em contrapartida ser tão negativamente criticado pela mídia?

Marcela - A crítica nunca reconheceu o trabalho dele, e Mazzaropi possuía um grande ressentimento, segundo ele o que mais chateava era ver alguém que não ia ao cinema assistir os filmes, falar mal. O cinema ,sobretudo na época em que ele produzia, era encarado como a Sétima Arte, portanto o popular não poderia fazer parte. Como um cinema simples e até mesmo ingênuo poderia fazer tanto sucesso?

Mazzaropi criou um estúdio, PAM Filmes, como foi este processo?

Marcela - Ele começou com a Vera Cruz e fez filmes com produtores independentes, mas em certo momento da carreira percebeu que era melhor ele mesmo fazer seus filmes “Eu vejo o cinema cheio e o meu bolso continua vazio”. Criou então a PAM Filmes, investia na produtora: equipamentos, criação de pessoal e garantia o lançamento contínuo de seus filmes.

Qual a principal contribuição para o cinema brasileiro?

Marcela - Particularmente, acho que a maior contribuição foi mostrar que é possível fazer um cinema de qualidade e que agrade ao público, as pessoas se identificavam com os filmes. Para isto não contou com ajuda do governo, financiamentos ou incentivos, investia o que lucrava.

Mazzaropi sobreviveria hoje no cinema?

Marcela - Acho que sim, ele saberia fazer a mesma coisa, a piada dele é atual. Levanta questionamentos sobre política e outros temas importantes. Apesar de muitos pensarem que ele era um “bobão”, o jeca era um empreendedor.

Qual artista atualmente faz um trabalho parecido ao que Mazzaropi fez?

Marcela - Não vejo ninguém perto disso. Renato Aragão também levou e ainda hoje leva um grande público aos cinemas, mas ele é de um segmento diferente. Mazzaropi empreendia e atuava nos filmes, mas não deixou ninguém que pudesse continuar o trabalho dele. A produtora de filmes e boa parte da história se foram junto com a morte dele.

Como é dar aulas, cuidar de sua empresa e família em paralelo a produção de um livro?

Marcela - Tenho prazer em ver as coisas concluídas, faço no tempo que tenho se for esperar sempre haverá uma demanda de outro assunto. Tudo na vida é sacrificado, quem não se sacrifica faz arroz com feijão. É curioso estar do outro lado, já que, trabalho com comunicação e agora me vejo analisada. Tenho vontade de escrever um livro de ficção, mas não tive inspiração. Por enquanto fico com as biografias, pois as histórias humanas são geniais, é puro jornalismo: garimpar informações, encontrar fontes, confrontar informação. Confesso que ao terminar o meu trabalho, de vez em quando sinto um pouco de falta do Mazzaropi, aí tenho que assistir a um filme para matar a saudade (risos).

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