sábado, 8 de maio de 2010

‘Ela inovou. Inaugurou um novo jeito de narrar’



Para autora de Clarice, uma vida que se conta e Clarice Fotobiografia, Clarice Lispector é o principal expoente na literatura brasileira.

Nádia Batella Gotlib, Professora livre-docente da USP de literatura brasileira e estudos comparados de literatura de língua portuguesa, no inicio da década de 80 começou a estudar as obras de Clarice e ministrar aulas, de lá pra cá só aumentou a admiração que possuía pela escritora Clarice Lispector.

Qual a principal intenção e motivação para a publicação da fotobiografia de Clarice Lispector?
Nádia Gotlib - Admiro a literatura de Clarice, a qualidade literária dos seus textos. Essa foi sempre a maior motivação. Me interessa conhecer a 'escritora Clarice'.
Uma primeira parte dessa pesquisa redundou num livro com estudo de vida (biografia) e obra (leitura analítica e crítica dos textos de Clarice) que foi publicado em 1995: Clarice, uma vida que se conta (6a. edição revista e aumentada, pela Editora da Universidade de São Paulo, 2009). A fotobiografia surgiu como consequência desse primeiro livro. É uma narrativa visual que percorre as mesmas trilhas, mas com um elemento novo: é "uma vida que se vê". E, vendo, há sempre novos elementos a acrescentar a essa história de vida de Clarice que já havia contado no meu livro anterior.

Quanto tempo levou para que estas informações e fotos fossem reunidas? Teve parceiros, familiares da escritora, amigos...?
Nádia - Comecei a estudar Clarice e a dar cursos sobre Clarice na USP
(Universidade de São Paulo) no início da década de 1980. De lá para cá não parei mais. Portanto fica difícil determinar quanto tempo levei para fazer esse livro, a fotobiografia, na medida em que ele é o resultado de toda uma pesquisa que vinha desenvolvendo ao longo dessas décadas anteriores. Para montar o livro, ou seja, passar para o papel o que já havia preparado, foram 3 anos. Contei com a colaboração do designer gráfico do livro, Ricardo Assis, que aceitou desenvolver, com muita paciência e sensibilidade, esse trabalho demorado. E que aceitou incluir o que eu ia sugerindo, ao longo do percurso, pois cheguei a receber documentos quando o livro estava quase pronto para ir para a gráfica. Devo a ele, ao Ricardo, grande parte do sucesso que o livro alcançou e vem alcançando junto ao público.
E contei com dezenas de colaboradores: parentes de Clarice, amigos dela, críticos de literatura, pesquisadores de arquivos, colecionadores, diplomatas, intérpretes, historiadores. Tanto do Brasil quanto de vários países que visitei, para fazer a pesquisa: Ucrânia, Suíça, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, entre outros.

Qual era livro preferido de Clarice?
Nádia - A paixão segundo G. H. Que é, também, o 'mais difícil' de suportar...

Sem dúvida, Clarice tinha uma forma bem particular de escrever. Quais os pontos que você destacaria?
Nádia - Sutileza na percepção de detalhes do comportamento e da postura de pessoas 'vivas', e de seres vivos, em geral, como os bichos, que muito admirava.
Apreensão sutil da condição humana, com seus vícios e virtudes, manifestando-se em sensações, emoções, ou simplesmente "pulsações” nas pessoas de várias idades (crianças, jovens, adultos, velhos).
Jeito inovador de contar as histórias, adentrando a intimidade das personagens, por vezes em narrativas fragmentárias, com alternância de tempos.
Variedade nos 'modos de narrar', cultivando desde textos breves, como crônicas, por vezes bem leves, até novelas muito densas, que testam a capacidade de o leitor experimentar nessa leitura o enfrentamento de seus próprios fantasmas.

De acordo com o que pesquisou, qual foi a contribuição deixada por Clarice na literatura brasileira?
Nádia - Ela inovou. Inaugurou um novo jeito de narrar. Diferente de tudo o que se fazia então ou já havia sido feito até então.

É possível identificar que você possui uma admiração por Clarice, o que você destacaria como pontos de admiração?
Nádia - A qualidade literária dos seus textos. Se não fosse uma boa escritora, não teria feito uma biografia, ou melhor, um estudo de vida e obra, para tentar contextualizar os textos que ela escreveu, nem teria feito a fotobiografia, também com o objetivo de contextualizar a obra da escritora.

Quais escritores você também admira, porquê?
Nádia - Cito apenas um deles: Machado de Assis. Pela agudeza da percepção, pela precisão da linguagem, pela sutileza na apreensão das mazelas da condição humana.

Está produzindo algum livro?
Nádia - Sim. Um livro que conta a história das pesquisas sobre Clarice, pesquisas que redundaram nos dois livros: Clarice, uma vida que se conta e Clarice Fotobiografia.
E estou preparando a edição dos Diários da Condessa de Barral. São quase 4 mil laudas manuscritas, do século XIX, que fazem parte da Biblioteca Guita e José Mindlin.

O que você diria aos que ainda não leram nenhuma obra de Clarice Lispector?
Nádia - Se nunca leu Clarice, poderia começar com as crônicas publicadas em A descoberta do mundo, por exemplo. Ali mesmo há alguns contos. Dali poderia passar para os contos do volume Laços de família. Novelas e romances viriam depois. Paralelamente poderia ler as entrevistas, a correspondência, as páginas femininas...E aí há matéria para alguns anos de leitura.

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