sexta-feira, 14 de maio de 2010

“Não vejo ninguém perto de realizar um trabalho como o feito por Mazzaropi”



“Falar sobre a sexualidade, se ele era pão-duro, só pensava em dinheiro, nunca foi minha intenção na publicação do livro”

A autora de Sai da Frente: A vida e obra de Mazzaropi, Marcela Matos, que também é Professora na Universidade Nove de Julho, no curso de Jornalismo, revela em uma entrevista descontraída curiosidades á respeito do livro lançando em abril, pela Editora Desiderata. “Certo dia combinei sapato amarelo com meias listrada, antes de sair de casa perguntei á minha filha, estou muito Jeca Tatu? Sai assim mesmo...”


Como surgiu o interesse pela vida e obra de Amacio Mazzaropi?


Marcela Matos - Eu acompanho há praticamente 10 anos a criação do Hotel Fazenda Mazzaropi, em Taubaté. Todo o resgate da história acabou surgindo: doações de fotos e documentos, tudo isto havia se perdido com a morte dele em 81, já que não havia herdeiros e pela briga que houve pelo espólio. Passei então a conhecê-lo mais e, assim, surgiu a idéia de fazer uma biografia.

Qual a parte mais difícil no desenvolvimento do livro?

Marcela - Muitas pessoas entraram em contato com o Hotel Fazenda e doaram roupas, filmes, fotos, entre outros. Mas, no entanto, tive grande dificuldade em reunir informações da infância do Mazzaropi, pois havia pouquíssimas informações. Li tudo o que achei, assisti dezenas de filmes, horas de entrevistas, sempre tomando notas e colhendo informações. Organizar tudo isto foi o mais complicado. Três anos de pesquisas mais intensas resultaram na criação do livro.

O que caracteriza o personagem do seu livro?

Marcela - Mazzaropi era uma pessoa muito determinada, desde criança ele já queria ser ator, a contragosto do pai, que o fez trabalhar em uma loja de tecidos com o avô no sul, mas mudou isto, e até mesmo sua mãe chegou atuar em um dos seus filmes. Esta determinação se repetiu ao longo de sua vida: construiu uma indústria de cinema, sem depender de financiamentos, e produziu em média um filme por ano, dentre as décadas de 50 a 80.

Qual a semelhança entre Mazzaroppi e o Jeca?

Marcela - Muito da história de vida do criador se parece com o personagem, assim como o Jeca, Mazzaropi nascido na capital paulista, viveu em Taubaté e mais tarde voltou para estudar. O que caracteriza a vinda do “caipira” para a cidade grande, sujeito ingênuo e bobo que também é matuto, crítico em certos comentários. Anos mais tarde disse que a inspiração para o jeca se baseava no personagem criado por Monteiro Lobato.

Como explicar um personagem que fazia tanto sucesso de público em contrapartida ser tão negativamente criticado pela mídia?

Marcela - A crítica nunca reconheceu o trabalho dele, e Mazzaropi possuía um grande ressentimento, segundo ele o que mais chateava era ver alguém que não ia ao cinema assistir os filmes, falar mal. O cinema ,sobretudo na época em que ele produzia, era encarado como a Sétima Arte, portanto o popular não poderia fazer parte. Como um cinema simples e até mesmo ingênuo poderia fazer tanto sucesso?

Mazzaropi criou um estúdio, PAM Filmes, como foi este processo?

Marcela - Ele começou com a Vera Cruz e fez filmes com produtores independentes, mas em certo momento da carreira percebeu que era melhor ele mesmo fazer seus filmes “Eu vejo o cinema cheio e o meu bolso continua vazio”. Criou então a PAM Filmes, investia na produtora: equipamentos, criação de pessoal e garantia o lançamento contínuo de seus filmes.

Qual a principal contribuição para o cinema brasileiro?

Marcela - Particularmente, acho que a maior contribuição foi mostrar que é possível fazer um cinema de qualidade e que agrade ao público, as pessoas se identificavam com os filmes. Para isto não contou com ajuda do governo, financiamentos ou incentivos, investia o que lucrava.

Mazzaropi sobreviveria hoje no cinema?

Marcela - Acho que sim, ele saberia fazer a mesma coisa, a piada dele é atual. Levanta questionamentos sobre política e outros temas importantes. Apesar de muitos pensarem que ele era um “bobão”, o jeca era um empreendedor.

Qual artista atualmente faz um trabalho parecido ao que Mazzaropi fez?

Marcela - Não vejo ninguém perto disso. Renato Aragão também levou e ainda hoje leva um grande público aos cinemas, mas ele é de um segmento diferente. Mazzaropi empreendia e atuava nos filmes, mas não deixou ninguém que pudesse continuar o trabalho dele. A produtora de filmes e boa parte da história se foram junto com a morte dele.

Como é dar aulas, cuidar de sua empresa e família em paralelo a produção de um livro?

Marcela - Tenho prazer em ver as coisas concluídas, faço no tempo que tenho se for esperar sempre haverá uma demanda de outro assunto. Tudo na vida é sacrificado, quem não se sacrifica faz arroz com feijão. É curioso estar do outro lado, já que, trabalho com comunicação e agora me vejo analisada. Tenho vontade de escrever um livro de ficção, mas não tive inspiração. Por enquanto fico com as biografias, pois as histórias humanas são geniais, é puro jornalismo: garimpar informações, encontrar fontes, confrontar informação. Confesso que ao terminar o meu trabalho, de vez em quando sinto um pouco de falta do Mazzaropi, aí tenho que assistir a um filme para matar a saudade (risos).

sábado, 8 de maio de 2010

Cardápio cultural


A avenida símbolo de São Paulo, tem opção para todo gosto

Ao longo de seus 2,8 km de extensão o principal cartão postal de São Paulo, a Avenida Paulista agrega em um só local diversas opções para diversão, cultura, lazer. Cinemas alternativos ou comerciais, livrarias com uma gama variada de obras de artistas e escritores, museu com os principais representantes das artes nacionais e internacionais. Cortada por três estações de metrô: Brigadeiro, Trianon-Masp e Consolação, o inusitado é presença constante nesta avenida com tantos contrastes.
Cartão postal do local, o Museu de Arte de São Paulo, foi fundado em 1947 e idealizado por Assis Chauteabriand, mas somente em 1968 passou a ocupar o espaço atual, suspenso em um vão de 74 metros, a construção chamou atenção pela ousadia e modernidade para a época.
Outro importante ícone é a mansão batizada em 1991 como “Casa das Rosas”, devido ao belo jardim que possuía. O espaço abriga o acervo completo de livros e objetos de Haroldo de Campos. A Casa ainda oferece eventos culturais, diversos cursos e exposições periódicas, relacionadas à literatura.
Para quem preferir o contato com a natureza, na Avenida também é possível visitar o Parque Tenente Siqueira de Campos, mais conhecido como Parque Trianon. Inaugurado em 1892, a paisagem é composta pela única reserva de mata atlântica na região. Quem passear por lá poderá contemplar viveiro de aves, chafarizes, enquanto os filhos brincam no parque. Tudo isto o torna um refúgio de lazer e descanso em meio à agitada Paulista.
Para Renato Subtil, 24 anos, assistente de fotógrafo a concentração de diversos eventos em um só lugar é o principal atrativo: cafés, cinemas, lojas e até mesmo baladas "Um mix de cultura toma conta de ponta á ponta, sem dúvida é o maior ícone da cidade de São Paulo."
Sesc Paulista, Cine Bombril, HSBC Belas Artes, Livraria Cultura, Fnac, Conjunto Nacional, feira aos domingos em frente ao Parque Trianon,além de diversos restaurantes e bares de cozinhas nacionais e internacionais são outros destinos no roteiro.
Símbolo do coração financeiro de São Paulo, passado e futuro se misturam perdendo o contorno, todos os tipos de pessoas circulam, tudo isto tornam a Avenida Paulista ponto de referência cultural.

Avenida em números
Segundo dados levantados no período de Março e Abril de 2009 pela Associação Paulista Viva, surgida em 1980 em um movimento integrado por empresários, os números chamam atenção: 30 bancas de revistas e jornais, 11 centros culturais, 3 cinemas,18 livrarias, 16 lanchonetes, 12 cafeterias, 8 restaurantes, 5 teatros.

Serviço:

Museu de Arte de São Paulo (Masp)
Avenida Paulista, 1.578 - Cerqueira César -São Paulo (Metrô Trianon-Masp)Tel.: (11) 3251-5644
Horário: De terça a domingo, das 11h às 18h. Quinta, das 11h às 20h

Casa das Rosas
Avenida Paulista, 37 – Paraíso -São Paulo (Metrô Brigadeiro)
Tel.: (11) 3285-6986/3288-9447
Horário: De terça a domingo, das 10h às 18h Grátis

Parque Tenente Siqueira Campos- Trianon
Rua Peixoto Gomide, 949 - Cerqueira César - São Paulo (Metrô Trianon - Masp)
Tel.: (11) 3289-2160
Horário: De segunda a domingo, das 6h às 18hGrátis

‘A cultura é sempre um importante instrumento de educação... ’

Atender á todos que respeitam a diversidade é o principal objetivo da Associação criada em 2004

Almir Nascimento, presidente da Abrat GLS (Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes), destaca a importância da associação e parcerias que ela mantém, na divulgação e promoção de eventos culturais para o público GLS ,em São Paulo e outras regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Há quantos anos existe a Associação? Qual o principal objetivo?
Almir Nascimento - A Abrat GLS foi criada em 2004 e os objetivos são : Incentivar o comércio, o turismo e o lazer destinado ao público de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Simpatizantes; organizando eventos, conferências, seminários, feiras, palestras e congressos e a realização de treinamentos a fim de divulgar, incrementar e promover a melhoria do turismo receptivo “GLS” no Brasil; proporcionar o intercâmbio de experiências e informações entre as associadas; lutar pela solidariedade da classe, harmonizando a atividade profissional de seus membros e colaborando com os Poderes Públicos constituídos, no sentido de propiciar um melhor atendimento aos interesses GLBT, inclusive mantendo constante vigilância junto à categoria profissional objetivando o aprimoramento de seus princípios éticos; incrementar o estabelecimento de convênios, sistemas e padrões, buscando proteger e facilitar o exercício das atividades das associadas.

Quantas pessoas integram a Abrat-GLS?
Nascimento - A diretoria atualmente é composta por 9 pessoas: Talmir Duarte da Silva- Vice Presidente, Jane Rodrigues -Diretora de Relacionamento, Natália Corso Frigo- Diretora de Eventos, Oswaldo Luiz Faria Valinote- Diretor de Marketing, Heitor Ferreira Filho- Diretor de Treinamento e Cursos, Marta Dalla Chiesa- Diretora de Relacionamento Internacional, e os representantes regionais: Rizomar dos Santos de Araújo- Rizzo Viagens e Turismo, no Acre; Davi Aranha- Vanserv Turismo, na Bahia e Thusnelda Frick- BrasiliaTur, no Centro-Oeste.

O mercado de turismo e entretenimento tem uma forte expressão em São Paulo, vocês contam com parcerias?
Nascimento - Contamos com parcerias com a SPTuris, São Paulo Convention Visitors Bureau, CADS - Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo, além de várias ONG's, dentre elas: Casarão Brasil, Associação da Parada LGBT de São Paulo, Universidade Anhembi-Morumbi, HOTEC, etc

Quais os eventos que a Abrat está envolvida?
Nascimento - Anualmente fazemos 2 'Fóruns de Turismo GLS' em São Paulo, durante a semana da Parada e no mês de novembro. Promovemos também um espetáculo beneficente, no início de dezembro chamado: 'Abra seu Coração', com a toda a renda destinada à ONG's AIDS. Além de bimestralmente realizarmos os 'Encontros Bimestrais de Turismo da ABRAT GLS'.

O que marca o calendário cultural GLS neste primeiro semestre de 2010?
Nascimento - Paradas de São Paulo, Fórum de Turismo da ABRAT GLS e os 3 Encontros Bimestrais de Turismo GLS.

Como você enxerga o repertório cultural voltado ao público gay,sobretudo em São Paulo?
Nascimento - Bastante rico e variado, desde peças teatrais até lançamento de livros com temática gls.

Filmes, livros, cada vez mais, aumentam o nicho de mercado neste segmento... A Abrat faz algo nesta aréa?
Nascimento - Sim, damos apoio e divulgação a toda obra cultural com temática GLS.

O site Guia São Paulo LGBT Virtual possui dicas de shows e eventos amplos, a intenção é integrar os públicos independente da sexualidade?
Nascimento - Temos como política e filosofia atender a todos que respeitam a diversidade.

O Casarão Brasil foi criado para atender a comunidade homossexual principalmente no ponto de vista cultural. Como funciona o atendimento?
Nascimento - A criação do Casarão Brasil é um marco dentro das conquistas do movimento LGBT. Tem como objetivo ser uma 'incubadora de projetos sociais' e dar apoio às manifestações artísticas voltadas ao segmento LGBT.

Artistas homossexuais poderão expor trabalhos? Há a intenção de solidificar a imagem da Abrat e Casarão Brasil por meio de exposições, feiras... Entre outros?
Nascimento - A cultura é sempre um importante instrumento de educação para a diversidade.

Palestras, seminários, entre outros eventos acontecem com qual frequência. Quais temas são abordados?
Nascimento - Fazemos um treinamento bimestral, gratuito, no São Paulo Convention Visitors Bureau, para todo o trade turístico, com o tema: 'Treinando para a Diversidade'.
Temos tbém os Encontros Bimestrais de Turismo GLS, voltados aos associados da ABRAT GLS e estudantes de turismo.

A Parada Gay em São Paulo atrai pessoas de todo o mundo, como funcionará a Central nesta ocasião?
Nascimento - Mais uma importante conquista da ABRAT GLS para o segmento LGBT da cidade de São Paulo.
A CIT GLS (Central de Informação ao Turista GLS) vai funcionar a partir de 17 de maio, na sede da ABRAT GLS, à Rua Frei Caneca, 1057, todos os dias das 10h00 às 19h00.
Na CIT GLS o turista vai receber informações atualizadas sobre os eventos e atrações da cidade de São Paulo. Informações completas sobre o que acontece no segmento GLS (festas, eventos e atrações).
Além disso, terão informações úteis, tais como: mapas, guias, farmácias, transportes públicos, etc...

Enfrentando fantasmas


Viaje na leitura

“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...Ou toca, ou não toca.” Clarice Lispector

No ano em que Clarice Lispector completaria 90 anos, a palavra impressa por ela em diversos livros mantém-se viva, ultrapassando gerações de leitores, que estranham ou identificam-se aos livros. Novas realidades trazidas ao mundo real.
Nascida em 1920 na Ucrânia em Tchetchelnik, mudou-se com a família ,aos dois anos, para Maceió e posteriormente para Recife. Lá, aos oito anos, começou a freqüentar a escola. Neste momento surgem as primeiras produções de Clarice. Em entrevista á Júlio Lerner no Programa Panorama, exibido na Tv Cultura em 1977, Lispector revelou que na infância fazia fábulas e até criou uma estória que não teria fim.
Durante a adolescência e inicio da idade adulta,Clarice começa a escrever sob o ponto de vista ótico intenso e fora da realidade, nesta mesma época a escrita definitivamente se torna o seu maior desejo. Escrevia contos para revistas e oferecia para publicação, sempre tímida, Clarice hesitava, mas o desejo de escrever transpunha esta barreira.
Clarice se considerava escritora amadora, já que profissional, segundo ela teria uma obrigação consigo mesmo de produzir sempre. Ela, ao contrário, possuía períodos que poderiam ser longos entre uma produção e outra, não obedecia a regras de editoras ou qualquer outra pessoa para publicação de livros.
Lis no peito é o real significado de seu sobrenome em latim, que ao longo dos anos, se modificou na Ucrânia, e no início da carreira de escritora rendeu-lhe críticas de Sérgio Milier, que disse: “escritora de nome desagradável, certamente um pseudônimo.”
Em 1977, foi lançado um dos livros mais lidos e tocantes de Clarice Lispector, “A hora da estrela”, que conta à estória de Macabéa, uma retirante nordestina que muda de Alagoas para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. A jovem consegue emprego e namorado, mas o perde para sua amiga de trabalho Glória. Macabéa em visita ao médico descobre que tinha tuberculose. Glória percebe a tristeza de sua amiga e indica que visite uma cartomante. Madame Carlota prevê um futuro melhor para a retirante, conheceria um homem loiro, de posses, com quem se casaria. De certa forma a cartomante acerta... Macabéa é atropelada por um luxuoso Mercedes-benz dirigido por um homem, este é o momento de encontro, da hora da estrela, a jovem nordestina é liberta...deixa de habitar a cidade que era toda feita contra ela.
Nádia Batella Gotlib, Professora livre-docente da USP de Literatura Brasileira e Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa, no inicio da década de 80 começou a estudar as obras de Clarice e ministrar aulas. “Admiro a literatura de Clarice, a qualidade literária dos seus textos. Essa foi sempre a maior motivação. Interessa-me, pois, conhecer a escritora Clarice.”
Em 1995 depois de longos quinze anos de estudo resulta a publicação de : Clarice, uma vida que se conta (6a. edição revista e aumentada, pela Editora da Universidade de São Paulo, 2009). Neste livro Nádia conta a biografia de Lispector através de uma leitura analítica e crítica dos textos produzidos por Clarice.
Em 2008 Nádia publica outro livro dedicado à autora: Clarice Fotobiografia (2008, pela Edusp e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), o livro possuI cerca de 800 imagens, além de manuscritos ”A fotobiografia surgiu como consequência do primeiro livro. É uma narrativa visual que percorre as mesmas trilhas, mas com um elemento novo: é” uma vida que se vê “. E, vendo, há sempre novos elementos a acrescentar a essa história de vida de Clarice que já havia contado no meu livro anterior.”
Nádia contou que teve contribuições de parentes de Clarice, amigos dela, críticos de literatura, pesquisadores de arquivos, colecionadores, diplomatas, intérpretes, historiadores. Tanto do Brasil quanto de vários países visitados, para fazer a pesquisa: Ucrânia, Suíça, Itália, Inglaterra, Estados Unidos.
Em tempo em que a Internet concorre com os livros, o interesse sobretudo dos jovens por esta escritora singular tem grande representatividade. O Orkut, um dos mais famosos sites de relacionamento possui cerca de 195 comunidades, que discutem e ressaltam o trabalho deixado por Clarice, vídeos no Youtube , blogs, uma infinidade de contos da autora, que é uma das mais populares entre os jovens.
Natália de Oliveira Lopes, estudante de Marketing de 20 anos, considera Clarice uma escritora de grande sensibilidade ao falar de coisas simples “Todo mundo tem um pouco de Macabéa”., revelou a estudante após a leitura de “A Hora da Estrela.”
Para quem não conhece as obras de Clarice, Nádia indica que se comece pela leitura das crônicas publicadas em “A descoberta do mundo”, passando para os contos do volume “Laços de Família”, seguindo para as novelas e romances.
Nada melhor do que mergulhar em uma boa leitura, se ver retratado em personagens, ora real ou distante, da realidade humana. Ainda que os avanços tecnológicos tragam novas possibilidades de leitura, o velho e bom livro se reiventa, através de estórias particulares que surpreendem e emocionam os leitores.

‘Ela inovou. Inaugurou um novo jeito de narrar’



Para autora de Clarice, uma vida que se conta e Clarice Fotobiografia, Clarice Lispector é o principal expoente na literatura brasileira.

Nádia Batella Gotlib, Professora livre-docente da USP de literatura brasileira e estudos comparados de literatura de língua portuguesa, no inicio da década de 80 começou a estudar as obras de Clarice e ministrar aulas, de lá pra cá só aumentou a admiração que possuía pela escritora Clarice Lispector.

Qual a principal intenção e motivação para a publicação da fotobiografia de Clarice Lispector?
Nádia Gotlib - Admiro a literatura de Clarice, a qualidade literária dos seus textos. Essa foi sempre a maior motivação. Me interessa conhecer a 'escritora Clarice'.
Uma primeira parte dessa pesquisa redundou num livro com estudo de vida (biografia) e obra (leitura analítica e crítica dos textos de Clarice) que foi publicado em 1995: Clarice, uma vida que se conta (6a. edição revista e aumentada, pela Editora da Universidade de São Paulo, 2009). A fotobiografia surgiu como consequência desse primeiro livro. É uma narrativa visual que percorre as mesmas trilhas, mas com um elemento novo: é "uma vida que se vê". E, vendo, há sempre novos elementos a acrescentar a essa história de vida de Clarice que já havia contado no meu livro anterior.

Quanto tempo levou para que estas informações e fotos fossem reunidas? Teve parceiros, familiares da escritora, amigos...?
Nádia - Comecei a estudar Clarice e a dar cursos sobre Clarice na USP
(Universidade de São Paulo) no início da década de 1980. De lá para cá não parei mais. Portanto fica difícil determinar quanto tempo levei para fazer esse livro, a fotobiografia, na medida em que ele é o resultado de toda uma pesquisa que vinha desenvolvendo ao longo dessas décadas anteriores. Para montar o livro, ou seja, passar para o papel o que já havia preparado, foram 3 anos. Contei com a colaboração do designer gráfico do livro, Ricardo Assis, que aceitou desenvolver, com muita paciência e sensibilidade, esse trabalho demorado. E que aceitou incluir o que eu ia sugerindo, ao longo do percurso, pois cheguei a receber documentos quando o livro estava quase pronto para ir para a gráfica. Devo a ele, ao Ricardo, grande parte do sucesso que o livro alcançou e vem alcançando junto ao público.
E contei com dezenas de colaboradores: parentes de Clarice, amigos dela, críticos de literatura, pesquisadores de arquivos, colecionadores, diplomatas, intérpretes, historiadores. Tanto do Brasil quanto de vários países que visitei, para fazer a pesquisa: Ucrânia, Suíça, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, entre outros.

Qual era livro preferido de Clarice?
Nádia - A paixão segundo G. H. Que é, também, o 'mais difícil' de suportar...

Sem dúvida, Clarice tinha uma forma bem particular de escrever. Quais os pontos que você destacaria?
Nádia - Sutileza na percepção de detalhes do comportamento e da postura de pessoas 'vivas', e de seres vivos, em geral, como os bichos, que muito admirava.
Apreensão sutil da condição humana, com seus vícios e virtudes, manifestando-se em sensações, emoções, ou simplesmente "pulsações” nas pessoas de várias idades (crianças, jovens, adultos, velhos).
Jeito inovador de contar as histórias, adentrando a intimidade das personagens, por vezes em narrativas fragmentárias, com alternância de tempos.
Variedade nos 'modos de narrar', cultivando desde textos breves, como crônicas, por vezes bem leves, até novelas muito densas, que testam a capacidade de o leitor experimentar nessa leitura o enfrentamento de seus próprios fantasmas.

De acordo com o que pesquisou, qual foi a contribuição deixada por Clarice na literatura brasileira?
Nádia - Ela inovou. Inaugurou um novo jeito de narrar. Diferente de tudo o que se fazia então ou já havia sido feito até então.

É possível identificar que você possui uma admiração por Clarice, o que você destacaria como pontos de admiração?
Nádia - A qualidade literária dos seus textos. Se não fosse uma boa escritora, não teria feito uma biografia, ou melhor, um estudo de vida e obra, para tentar contextualizar os textos que ela escreveu, nem teria feito a fotobiografia, também com o objetivo de contextualizar a obra da escritora.

Quais escritores você também admira, porquê?
Nádia - Cito apenas um deles: Machado de Assis. Pela agudeza da percepção, pela precisão da linguagem, pela sutileza na apreensão das mazelas da condição humana.

Está produzindo algum livro?
Nádia - Sim. Um livro que conta a história das pesquisas sobre Clarice, pesquisas que redundaram nos dois livros: Clarice, uma vida que se conta e Clarice Fotobiografia.
E estou preparando a edição dos Diários da Condessa de Barral. São quase 4 mil laudas manuscritas, do século XIX, que fazem parte da Biblioteca Guita e José Mindlin.

O que você diria aos que ainda não leram nenhuma obra de Clarice Lispector?
Nádia - Se nunca leu Clarice, poderia começar com as crônicas publicadas em A descoberta do mundo, por exemplo. Ali mesmo há alguns contos. Dali poderia passar para os contos do volume Laços de família. Novelas e romances viriam depois. Paralelamente poderia ler as entrevistas, a correspondência, as páginas femininas...E aí há matéria para alguns anos de leitura.